9 - Nome do personagem e cenário


Todo roteiro meu tem um motivo pelo qual eu o escrevi, uma espécie de história antes da história, o que o originou e o que eu estou querendo dizer.

Assim escrevi O MEDO para abordar o medo que as crianças tem as vezes de coisas que para os adultos parecem insignificantes. E fui também motivado pelo desejo de fazer um filme totalmente doméstico, caseiro e em VHS, experimental - idéia que eu já tinha e que foi muito alimentada depois que eu vi o making off dos Pequenos Espiões 3, com o talentoso diretor Robert Rodrigues.

NAMORO NA INTERNET é uma comédia que aborda a solidão das pessoas e a busca constante de um relacionamento ainda que pela internet - e a falsidade dos perfis eletrônicos que costumamos ler por aí. É também um alerta de que no mundo virtual muita coisa/gente não é o que parece.

O SEQUESTRO DE VICTOR LIMA é um retrato do preconceito racial presente em nossa sociedade, e as desgraças que isso ocasiona. Escrevi em homenagem ao dentista negro assassinado pela Polícia em São Paulo.

E o mesmo se repetiria com HOJE VAI SER UM DIA PERFEITO.

De posse da minha idéia fui para o computador pensando como transformar isso tudo em roteiro: banheiro, humores perdidos, porta de armário chata, filosofia no banheiro. Como?

Associação de idéias de novo: o que eu queria dizer? O que eu queria mostrar? Como é frágil o estado de espírito humano e como é preciso sabedoria para preserva-lo. Como um dia que começa perfeito pode terminar péssimo, e às vezes por uma coisa boba e sem tanto sentido. Como algo que é grande pra mim pode ser pequeno pra você - e do exagero de uma emoção muitas vezes vem a graça - embora eu não estivesse perseguindo o objetivo de ser engraçado no roteiro.

Como um dia que era perfeito pra você pode se transformar num dia péssimo e ainda assim ser perfeito pra outra pessoa.

Foram as idéias que eu fui tendo.

Mas pra contar tudo isso não queria contar o que você leu na lição 7. Ia escrever uma coisa daquelas? Um roteirista no banheiro com problemas com a porta do armário? Não, eu já estava muito além disso, como mostrei acima.
Bem, precisa de um personagem.
 
Quem era ele? O que fazia? De onde vinha e para onde ia?

Quanto mais detalhes você der dos personagens para si, e para o diretor e atores que irão filmar o seu roteiro, melhor pra tudo mundo. Em cada lacuna que você deixar eles serão obrigados a criar, pra preencher os vazios deixados pelo roteirista.

Então quem seria meu personagem? Um homem de seus 25-30 anos.

Quando chega na hora do nome é fogo. Pra mim o nome tem que ter a cara do personagem que eu estou imaginando. Eu preciso sentir que o nome combinou com o personagem.

Pra isso preciso de mais dados: onde ele mora? Na cidade. Numa cidade média ou grande. Tanto faz nesse caso, mas tem que ser num prédio. Você vai ler depois porque (não quero estragar a surpresa).

Trabalha onde? Num escritório. Num escritório de um banco, onde tem mais contato com papéis e chefia, nada de clientes (eu gosto desse tipo de personagem). Então ele tem cara de que?

Tenho um dicionário de nomes aqui em casa, mas fica na biblioteca a uns 5 passos do computador - o que na hora em que você está digitando é o mesmo que dizer que fica a 5 milhões de anos-luz. Já pensou parar de escrever pra ir pegar o dicionário e daí procurar um nome?

Então, sentindo o personagem aqui na minha frente pedindo pelamordedeus um nome, eu fito os olhos dele e arrisco: Astrogildo?

Pela cara que ele fez claro que não. Emiliano? Vão falar que eu pus o nome de Emiliano só por causa do meu nome. Apesar de eu nunca ter usado esse nome antes.

Francisco? Daí vira Chico, sei lá. Não tem cara disso. Apelido? Não, nome mesmo. É um nome pro roteiro, eu sei. Já visualizei o curta e sei que ninguém vai falar o nome dele. Mas eu preciso saber o nome dele. O diretor precisa saber. O ator nem se fala. Um nome é um nome, coisa importante.

Estou descrevendo tudo isso pra você ver o dilema que é colocar um nome em um personagem. E como um nome é importante. Tem gente que não se preocupa com isso - e o nome fica falso depois.

Vou vasculhando meu arquivo mental de nomes: Tonho? Não, ele não é da roça. É um cara da cidade (mais uma descrição, dessa vez ajudada pelo nome). Valério? Depois das CPIs melhor não. Cindi? Nem sei porque pensei nisso, mas tenho certeza que não - ele é hetero e jamais seria Cindi.

Miltinho. Parece nome de pessoa mais velha. Sobretudo porque eu conheço um Miltinho que tem uma auto-elétrica e uns 50 anos, daí...
Opa, cuidado pra não se perder nas idéias e nas associações delas. Senão logo você vai levar seu carro pra consertar e o roteiro fica ali pra nunca mais ser feito.

De tudo que eu pensei gostei mais de Marcos. É um nome comum mas nem tanto. Curto, nada muito chamativo (como Xenofonte, por exemplo), bem o nome de um cara comum numa vida comum (que me desculpem aqueles Marcos especiais...). Gostei: ele tem cara de Marcos.

Mas e quanto ao Tempo? Onde ele está? Quando se passa a trama?
A trama se passa nos dias de hoje. Pode estar acontecendo agora.

Onde? E o cenário? Já sabemos que ele mora num apartamento. Preciso que seja ali pelo 5o. ou 6o. andar. Pode ser um pouco mais pra cima.

Preciso do quarto dele e do banheiro - e que os 2 sejam conjugados, como numa suíte. Depois vou precisar de uma externa da janela dele.
Como é o quarto dele? Quarto de rapaz, um tanto bagunçado. Decidi não colocar os tradicionais pôsteres de mulheres sem roupa. Ele recebe visitas ali e não combina com o perfil que ele quer mostrar às visitas.

Ele mora sozinho nesse apartamento. O quarto é de tamanho médio, assim como o banheiro. Ele tem um rádio-relógio que o desperta todo dia. Ele odeia acordar cedo para trabalhar. Até coloca o relógio pra despertar bem antes pra não ter que sair correndo. Porque ele não pega no tranco - acorda aos poucos.
É o tipo do cara metódico que já cronometrou quanto tempo leva pra acordar e deu quase 2 horas. É metódico mas não o esteriótipo a que a palavra remete normalmente as pessoas. Metódico no sentido de ter método, ser organizado, não chato, cafona e ultrapassado.

Já disse que um curta é pra ser curto. Nada de ficar enfiando personagens desnecessários que não acrescentam nada - mas que distraem pra burro - nem cenários ou efeitos mirabolantes.

O truque é: coloque somente o que precisa. Nem mais e nem menos. Só o necessário.
Se você exagerar inviabiliza inclusive a produção do filme. O que será muito chato. Pior ainda é você ver depois que colocou um monte de coisas que simplesmente não acrescentam à história, que não levam a história para frente.
Então abaixo ao supérfluo! Nada de exageros.
Eu vou precisar disso por enquanto:

Personagens:
-         Marcos
-         Narrador do rádio-relógio (que acorda Marcos)

Cenários:
-         Quarto
-         Banheiro

Por agora é só.
É legal você visualizar um pouco do cenário e até dos figurinos pra ir dando pistas pro pessoal da produção. A recomendação é sempre a mesma: só dê o necessário. Se você começar a descreve a cor e o modelo da cueca do Marcos que nem vai aparecer no filme, o diretor vai ficar maluco.
Vamos para o resumo do roteiro.

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